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O ônus do crescimento urbano por espraiamento geográfico

E é no crescimento das cidades onde, desafortunadamente, mais drasticamente se observam as danosas conseqüências da ausência de uma regulação técnica mais efetiva do uso do solo

Diferentemente das condições do mundo desenvolvido, onde prevalecem cidades de crescimento nulo ou extremamente baixo, o que circunscreve e facilita tremendamente sua administração, nós temos o encargo adicional de administrar a cidade e seu crescimento. Ou seja, cabe-nos, adicionalmente, o ônus do crescimento.

E é no crescimento das cidades onde, desafortunadamente, mais drasticamente se observam as danosas conseqüências da ausência de uma regulação técnica mais efetiva do uso do solo. A forma quase espontânea que tem caracterizado a expansão de nossas cidades tem por décadas sustentado a tendência ao espraiamento horizontal com baixa concentração populacional; ou seja, o crescimento a partir de suas fronteiras rurais periféricas, o que gera imensos problemas logísticos de transporte de pessoas e insumos, de extensão de serviços de saneamento básico, assim como graves decorrências ambientais, econômicas e sociais.

Os últimos censos demográficos mostram que se nas áreas mais centrais e bairros mais consolidados de nossos grandes centros urbanos a população inclina-se se estabilizar, nas zonas periféricas de expansão observa-se crescimento populacional que chega a taxas de até 10% ao ano.

Estudos recentes levados a efeito pela FAU-USP mostram que entre 1986 e 2008 a área urbanizada da RMSP passou de 1.473,70 km² para 1.766,50 km², o que significou um incremento de 292,80 km². Por direta decorrência foram totalmente subtraídos, especialmente nas faixas periféricas de expansão, 113 Km2 de áreas vegetadas.

Na verdade, a área total já intensamente modificada pela urbanização na metrópole paulistana, seja com urbanização consolidada, seja em processo de consolidação, já é bem maior do que a mancha urbana normalmente considerada. Tendo como base o ano de 2010 sua extensão total já atinge a ordem de 3.000 Km2, o que do ponto de vista ambiental e hidrológico tem enorme significado.

Do ponto de vista ambiental, seguidas áreas verdes vão dando lugar à ocupação urbana, mananciais de água vão sendo severamente comprometidos, seja por poluição, seja por total desfiguração física, áreas de risco e processos erosivos vão se instalando, alterações climáticas locais ganham expressiva e preocupante dimensão.

Do ponto de vista hidrológico o espraiamento horizontal tem significado um grave problema para os mananciais de água subterrânea e resultado em uma sobrecarga considerável para o sistema de drenagem urbana, na medida que, com a impermeabilização promovida pela ocupação urbana a alimentação dos mananciais hídricos subterrâneos por infiltração de águas de chuva é drasticamente reduzida, e como direta decorrência seguidas novas áreas passam a gerar incrementos de águas de escoamento superficial, principal fator causal de nossas enchentes urbanas.

Há que se considerar também que nas áreas urbanas as intervenções diretas e indiretas sobre a água subterrânea – redução drástica da recarga devido à impermeabilização generalizada da superfície urbana, poluição, extração para uso e consumo, rebaixamentos forçados em obras civis – têm atingido níveis alarmantes, com consequências gravíssimas para a disponibilidade desse recurso hídrico como manancial estratégico de boa água para a sociedade.

Para ter-se uma ideia da importância do manancial subterrâneo para o fornecimento de água potável aos habitantes da cidade de São Paulo, estima-se hoje a participação da água subterrânea no abastecimento da metrópole paulista em algo próximo a 10 m³/s, um volume considerável em relação ao montante da água produzida e distribuída pela SABESP, em torno de 67 m³/s, que já não atende uma demanda firme de mais de 73 m³/s.

Considerado esse preocupante cenário, não há dúvida da inteira conveniência de um esforço de planejamento urbano voltado a um maior adensamento populacional de nossas cidades, seja pela máxima verticalização de bairros que se mostrem para tanto adequados, seja pela plena ocupação de espaços vazios ainda existentes na região de urbanização já consolidada ou parcialmente consolidada.

Uma política de incentivos e restrições certamente trará a eficácia necessária a um objetivo dessa natureza, e, na medida da inversão da atual tendência ao espraiamento geográfico, tornará mais factível a complexa e difícil missão de bem gerir nossas cidades.

Ressalte-se que as cidades brasileiras vão indo na direção inversa das médias e maiores cidades dos países mais desenvolvidos, as quais apresentam um nível de adensamento urbano extremamente superior ao nosso.

Considere-se, entretanto, que uma política de adensamento urbano, seja por ocupação de espaços vazios, seja por verticalização de setores urbanos para tanto vocacionados, não deve sacrificar a qualidade ambiental da cidade, para o que será essencial a preservação e multiplicação de espaços públicos verdes para lazer e convívio dos cidadãos e a implantação dos mais diversos dispositivos para a retenção de águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação. Ou seja, o adensamento desejado deve ser devidamente planejado, de forma a incorporar os atributos próprios da sustentabilidade ambiental.

Por outro lado, o principal vetor do crescimento urbano por espraiamento geográfico está na busca de moradias pela população de baixa renda compatíveis com seu precário orçamento familiar. Ou seja, a reversão dessa tendência exige a disponibilização de unidades habitacionais no interior de áreas de urbanização já consolidada para essa população na mesma faixa orçamentária que ela hoje só encontra nas fronteiras urbano/rurais.

Fazer esse casamento entre a inibição ao espraiamento geográfico e o estímulo ao adensamento urbano com qualidade ambiental, ou seja, combinar sustentavelmente uma maior densidade populacional com uma baixa ocupação predial do espaço, é o desafio que se coloca à ousadia e à criatividade de nossos arquitetos, urbanistas e planejadores públicos e privados.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”; Cidades e Geologia. Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

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